quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Sentindo



Fui correndo pegar minha caixinha de cartas e cartões. É o que faço quando me bate essa angústia de ser só mais uma no mundo. É o que faço quando preciso ser perdoada por ser medíocre ou por estar errada nas coisas que sinto ou penso. É o que faço quando me vem a consciência de que não sou necessária aqui… Sou apenas participante. Como todos os outros.

Faço isso porque o carinho das pessoas, expresso em tinta de caneta borrada e papéis enfeitados, me faz sentir especial. Algumas pessoas me diziam isso nos cartões – ei, você é especial… Minha vida é diferente por sua causa. O namorado que escrevia sempre declarando o seu amor… A amiga que agradeceu a força em um momento difícil… O irmão que desejou felicidades no natal… O professor que elogiou o escrito bem feito… A prima que louvou a minha vida no meu aniversário… O moço que alegou sentir minha falta todos os minutos do dia quando nos separamos… A desconhecida que garantiu que algo que eu disse mudou seu jeito de ver a vida. Pessoas tentando me convencer de que sou, sim, especial. De que tenho qualidades que ninguém mais tem. De que fui planejada e pensada de maneira única. Pessoas tentando me convencer de que precisam de mim e me amam por eu ser quem eu sou… Por ser marcante de alguma forma.

Onde estão todos os remetentes? Alguns não se foram… De outros nunca mais soube ou ouvi falar. Algumas palavras o tempo revelou serem verdadeiras. Outras viraram poeira ao serem sistematicamente amassadas no pilão do tempo. Peguei também coisas que escrevi para outros. Não quero nunca que nos afastemos. Não consigo imaginar minha vida sem você. Você é minha melhor amiga.Você deixa um buraco quando se vai. Eu, entregando meu coração, derramada em declarações de amor, amizade e carinho. E no entanto, a vida seguiu sem eles, apesar deles, distante deles. E eu continuo aqui. Só como sempre fui e sempre serei. Como somos todos.

É porque a vida é assim mesmo. Ela segue. Ela vai. Ela leva. Ela empurra. E tudo que parece tão importante fica pequeno, porque, no fundo, a pequenez está em nós. Mesmo os grandes homens e mulheres, mesmo os poetas mais sensíveis, os gênios mais inteligentes, os aventureiros mais corajosos, as pessoas mais importantes… Mesmo esses com o tempo viram só uma lembrança distante. Como um quadro que você põe na parede e se acostuma a olhar. O impacto da primeira vista se apaga com o tempo, tudo fica gasto e amarelo, desbotado e sem graça.

De vez em quando a gente tenta se convencer do contrário. Tenta achar que a lua está no céu só pra enfeitar a sua noite. Que alguém sorriu só porque lembrou de você. Que alguém te ama tanto que seria capaz de abrir mão de qualquer coisa para te fazer feliz. Tenta se convencer de que o mundo estende um tapete colorido só pra você passar. De que seu amor é tão forte e mágico que pode salvar alguém de si mesmo. Tenta acreditar que naquele quesito, naquela partezinha, naquele particular, naquele pedacinho bem específico… A gente é realmente diferente e especial. De vez em quando, a gente tenta se convencer de que, pelos próprios méritos, merece o amor das pessoas. E então se dá conta de que, se amor fosse por merecimento, ninguém seria amado. E fica com aquela falta de jeito enroscada dentro, apertando o coração.

Sempre vai ter alguém melhor do que eu, mais especial do que eu. Sempre vai ter alguém com mais recursos, mais experiências, mais sabedoria, mais beleza, que faça melhor aquilo que eu acho que sei fazer tão bem. Sempre vai ter alguém que mereça mais, que faça mais, que seja mais legal e mais capacitado. Talvez em nenhum lugar eu possa ser especial. Talvez não haja lugar especial pra mim. Nem mesmo no coração daqueles a quem eu amo… E que eu não duvido, me amam também. Mas porque precisam me amar. Não porque sou eu.

O amor dos outros nos dá essa ilusão… A de que somos importantes. Ao ler os cartões e cartinhas, é assim que eu me sinto. Especial e importante. Mas se eu não existisse, eles amariam outros e outras. Porque no fundo, é só uma troca. Amamos o outro porque queremos e precisamos ser amados. E fazemos isso frequentemente porque não somos capazes de amar a nós mesmos por quem somos. Fazemos assim porque não nos bastamos.

Tem dias que me sinto assim, alguém a mais. Lágrimas a mais. Sorrisos a mais. Palavras a mais. Sentimentos a mais. Tudo aquilo que me é tão caro parece tão insignificante diante da grandeza e da indiferença do mundo e da vida, que segue apesar das minhas dores. E nesses dias, nenhum cartão ou carta parece suficientemente bem escrito para que eu possa me sentir digna de merecê-lo.

Um olhar amoroso de alguém pode nos fazer sentir especiais por alguns momentos. Mas é só. Se alguém fosse especial em si mesmo, poderia abdicar da necessidade ridícula e infantil de ser querido, reconhecido e valorizado pelos outros. O mundo não existe por minha causa. E caminharia perfeitamente sem mim.

Dizer que todo mundo é especial é um outro jeito de dizer que ninguém é.

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